Entrevista ao Jornal “O Algarve”
1 - Quais são os principais problemas urbanísticos da cidade de Faro?
Faro necessita urgentemente de espaços de lazer. Verificamos, a cada dia que passa, o aumento da oferta ao nível da habitação, porém esse aumento não é acompanhado por um aumento de áreas de “descompressão” do tecido urbano para usufruto da população. À excepção do Jardim da Alameda e da Mata do Liceu, as pessoas simplesmente não têm para onde ir. Falta, entre muitas outras coisas, um amplo espaço verde na proximidade imediata da cidade. Parece-me errado propô-lo para a área do Parque das Cidades, pois é muito distante do núcleo urbano. Será porventura uma solução a considerar quando os tecidos urbanos de Faro e Loulé se aproximarem desse espaço. Porém, a julgar pela distância que está de Faro e pelo seu padrão de desenvolvimento, ainda se irão passar algumas décadas até que isso aconteça.
Há outros problemas que também requerem solução. Um desses problemas é o estacionamento na Avenida 5 de Outubro, totalmente descaracterizada com os seus corredores desprovidos de sentido, factor provocado pela confusão de automóveis permanentemente estacionados nesses passeios. Os peões são obrigados a andar literalmente encostados às paredes dos edifícios, enquanto alguém circula de automóvel nesse espaço à procura lugar de estacionamento, diga-se que ilegal.
Há ainda o espartilhamento da cidade causado pela via-férrea, que impede usufruir da Ria enquanto espaço natural da cidade.
Há também a necessidade urgente de dinamizar a Zona Histórica de Faro, procurar alternativas ao seu uso actual, ao invés de a tornar numa espécie de museu ou “arquivo morto”, muitas vezes também sinónimo de desertificação. Há que encontrar outro destino diferente do actual, que é um parque de estacionamento soberbamente enquadrado urbanisticamente. O uso a que presentemente se destina não faz qualquer sentido quando, a apenas 5 ou 6 minutos a pé, há o estacionamento do Largo de S. Francisco.
Existem problemas de outra ordem que também influenciam negativamente o dia-a-dia de todos nós. A este nível podemos falar da generalizada falta de qualidade do chão onde pisamos e a sua falta de planeamento. Em algumas áreas são visíveis 3 ou 4 tipos diferentes de pavimento em meia dúzia de metros quadrados. Há especialistas que defendem uma “arquitectura do chão”, pois é através dele que também percepcionamos sensorialmente o mundo que nos rodeia. Há que haver sensibilidade de quem planeia o chão das nossas cidades para inúmeras questões, entre elas a acessibilidade a pessoas com mobilidade condicionada. Muitas vezes verificamos que a largura de um passeio até está bem dimensionada, porém, pelo meio existem uma série de postes de iluminação, sinais de trânsito,depósitos de materiais para reciclar, ainda as elevadas pendentes, as depressões que desequilibram quem neles circula, etc. Faltam alinhamentos entre equipamentos urbanos, muitos dos passeios das nossas cidades parecem uma pista de obstáculos ou palco para uma qualquer gincana. Esta fraca qualidade do chão não tem origem somente no seu deficiente planeamento, é também causada pela fraca capacidade técnica de quem os executa ou então de quem os fiscaliza. É possível executar um passeio para que, dali a meia dúzia de anos, não tenha uma série de buracos, nem a sua pendente para escoamento das águas pluviais pareça o declive de uma qualquer montanha.
Não se pense, no entanto, que estes problemas não existem na maior parte das cidades do nosso país, pois só recentemente foram despertadas as consciências para o problema da qualidade da vida urbana.
2 - Em termos urbanísticos, como é que classificaria a situação da cidade de Faro?
Na minha opinião, a cidade de Faro necessita de uma visão e consequentemente uma intervenção globalizante.
Parece-me uma total falta de ambição, aceitar-se pura e simplesmente que Faro não tem vocação ou potencial turístico. Essa resignação não faz sentido, não tivesse Faro o núcleo histórico que tem, nem a proximidade à Ria e/ou a Ilha de Faro que também se verifica. Julgo até poder afirmar que Faro tem tanto ou mais potencial que outras cidades do litoral algarvio. Como se costuma dizer “tem sol, praia e mar”, mas não só. Tem história, tem pequenos núcleos urbanos bastante interessantes na sua periferia, tem campo, equipamentos desportivos recentes que urge potenciar, uma universidade ainda em expansão e um aeroporto que rapidamente a conecta ao resto do mundo.
Muitas das intervenções na cidade acontecem com base no orçamento disponível naquele determinado momento para investir. Primeiro avalia-se o montante disponível e depois projecta-se a obra com base nessa disponibilidade. O problema é que uma solução nesses moldes nunca dá uma resposta eficaz às necessidades reais. Talvez se devesse pensar numa resposta eficaz a um determinado problema, depois avaliar os custos dessa operação, verificar a disponibilidade financeira da autarquia e então procurar investimento dos quadros comunitários de apoio, particulares, programa POLIS, etc., e só se decidir pela redução da intervenção necessária, quando se tiverem esgotado todas as demais possibilidades. Será também necessário que se avalie o investimento, se verifique até que ponto é vital para a cidade e se haverão ou não outros investimentos prioritários.
O potencial de Faro é enorme, mas falta motivação, falta a clarificação da estratégia para a cidade. Não se compreende o rumo da cidade. Necessitamos urgentemente desse conceito de desenvolvimento urbano globalizante, necessitamos de identificar prioridades que consigo tragam outros investimentos. A minha sensação é que andamos à deriva.
No entanto esperam-se algumas melhorias com a revisão do PDM, processo já iniciado mas que durará alguns anos a ser desenvolvido. Espero que contenha uma estratégia que suprima muitos dos problemas identificados e que acima de tudo proponha um conceito de desenvolvimento urbano e um conceito de cidade.
3 - Houve, ou não, atropelos ao estabelecido no PDM de 1995? 4- Em caso afirmativo, quais são as situações mais gritantes? 5 - Porque razões aconteceram esses atropelos? 6 - De quem foi a responsabilidade?
Bastará ter um pouco de sensibilidade para verificar que há casos em que foram permitidas densidades ou volumetrias construtivas absolutamente absurdas, proximidades entre edifícios mínimas, talvez até mesmo ilegais. Porém, vezes demais, a lei, os PDM, os Regulamentos, etc., são pouco específicos ou “esquecem-se” de definir certos aspectos e permitem interpretações distintas da parte de quem analisa. Outras há em que, a bem do desenvolvimento da região, uma autarquia aprova algo que não estava definido, não sendo obrigatoriamente má escolha ou opção. Dizer-se que é ou não um atropelo pode muitas vezes ser apenas uma questão de ponto de vista.
Não vou afirmar se houveram ou não atropelos ao PDM de 1995, até porque na linha daquilo que acredito, não é pela condenação pública que se resolverão os problemas existentes. Como diz o ditado “o que está feito, feito está.” Se tivermos em linha de conta que desde então passaram pelo menos 3 executivos camarários, com políticas diferentes para o território, prioridades e interesses distintos, então também saberemos que, a haver atropelos ou culpas a atribuir, é bastante difícil fazê-lo a alguém especificamente, muito menos sem provas concretas. Penso que será importante ao actual e futuros executivos, definirem uma estratégia clara e uma visão global, com verdadeiros objectivos de desenvolvimento, capaz de ser continuada por outros, independentemente das cores políticas e que tenha como objectivo primordial a própria cidade.
7- Em sua opinião qual era intervenção mais urgente para melhorar o ambiente urbano da cidade?
É difícil escolher uma intervenção em particular, pois cada uma tem as suas especificidades. Penso que seria fundamental haver um plano de pormenor alargado a toda a frente ribeirinha.
No seguimento do que já referi anteriormente penso que será essencial “libertar” a cidade do actual constrangimento que a linha do caminho-de-ferro lhe provoca. Defendi a sua deslocalização para uma circular mais a Norte, porém há opiniões que defendem a conversão do actual troço num metro de superfície. Pelo contacto que tive com algumas situações semelhantes, o metro ligeiro de superfície entre Faro e Olhão seria perfeitamente viável e integrável urbanisticamente, com riscos mínimos para os peões e claros benefícios para a população. Mais benefício trará se, por exemplo, esse metro de superfície se estender ao pólo Universitário da Penha, às Gambelas, necessariamente ao aeroporto e quiçá à Ilha de Faro.
Esta intervenção traria o espaço natural mais perto da cidade e permitiria requalificar urbanisticamente toda a frente ribeirinha. Esse novo espaço urbano de frente ribeirinha poderia articular com um novo porto de recreio, a localizar-se na proximidade do actual porto comercial. Poder-se-ia atribuir a determinadas áreas voltadas à ria, uma clara vocação habitacional com edificações de baixa densidade construtiva. 3
Junto ao Teatro Municipal, poder-se-ia prever a localização de um conjunto de hotéis de luxo voltados à ria, bem como um centro de congressos. Por que não orientar Faro para a temática dos congressos internacionais? Não faria todo o sentido dada a proximidade do aeroporto? Ainda se articularia com uma “grande área jardim” da cidade, passo a polémica, talvez “roubada” à Ria, numa área de território a requalificar no triângulo resultante entre o limite a nascente do Montenegro e o limite sul de Faro.
Estrategicamente uma intervenção desta dimensão e dessa natureza traria bastantes benefícios à cidade. Traria turismo, congressos, relacioná-la-ia e aproximaria o centro da periferia e certamente que com o turismo haveria mais investimento. Esse investimento permitiria intervir noutras áreas da cidade que não podem ficar esquecidas.
Quem conseguir dar esse passo fará história e fará com que Faro se afirme, sem quaisquer dúvidas, como uma moderna capital de distrito, com clara vocação turística à semelhança de outras cidades algarvias. É hora de encontrar um rumo para Faro.
in:http://www.miguelcaetano.com/pdf/texto4.pdf
Resolvi "postar" esta intervista pois é um exemplo concreto dos problemas urbanisticos que uma cidade pode enfrentar, neste caso Faro.
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2 comentários:
WOOO grande noticia Joaquim!
Pois é pena esse n serem problemas apenas da cidade de Faro, e infelizmente sabemos q cada vez existem mais esses tipos de problemas.
Gostei do blog, bom trabalho :)*
É grande, mas tem um conteudo bastante interressante!
Gostei, visto que são problemas actuais*
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